O
gandula que comeu a bola
Mais de meia hora de jogo, e a bola
não saíra, uma vez sequer, pela linha de fundos. Tinha escapado inúmeras vezes
pelas laterais, o que já estava irritando aquele gandula que trabalhava atrás
do gol. Logo naquele dia, coitado, que o irmão mais velho assistia ao jogo da
geral, só para vê-lo atuar mais de perto.
Por isso o menino gritava com os
atacantes que chutavam daquele lado, toda vez que a bola rondava a área:
– Chuta aqui, seu
pereba! Chuta logo essa porcaria!
Esbravejava com os zagueiros quando evitavam as
finalizações do adversário, e xingava o goleiro, toda vez que este fazia uma
defesa:
– Bota pra escanteio! Bota pra escanteio!
Finalmente a bola desviou em alguém
e escapuliu pela linha de fundos, quase no final do primeiro tempo. O menino
correu até o fosso em volta do campo, pegou a bola com as duas mãos, abraçou,
alisou e rolou com ela pela grama.
O gandula estava visivelmente se exibindo para o irmão, alheio aos gritos
dos torcedores, dos jogadores e até do juiz. Todos esperavam apenas que o
gandula fizesse o seu trabalho, para que o jogo pudesse recomeçar.
– Devolve essa bola, moleque insolente! – berrou o
dirigente do time que estava
perdendo o jogo.
– Vem até aqui pegar! – desafiou o menino, correndo de um lado para o
outro com a bola debaixo do braço.
O dirigente chamou os auxiliares e os seguranças. Veio também a polícia,
para engrossar a perseguição, diante dos gritos da torcida que, a essa altura,
torcia pelo gandula, rindo e aplaudindo a sua aventura.
Quando se viu finalmente acuado em um canto, espremido entre o pau da
bandeira e o muro do fosso de proteção, o gandula tirou um pequeno canivete do
bolso e começou a cortar a bola, gomo após gomo, colocando de um em um na boca
como se fossem bifes bem finos.
Mastigando, engolindo e dando boas gargalhadas diante de seus
perseguidores.