O presente não veio embrulhado para presente, porque não
podia. Nem veio dentro de uma caixa especial, porque não cabia.
O presente veio
andando, do jeito que sabia.
E também mugindo,
mastigando, berrando, fazendo cocô pelo caminho entre o pasto e o terreiro.
O presente era uma
vaca. Melhor dizendo, uma bezerra – que é uma vaca pequenina, quando ainda
menina e antes de virar novilha (que é a vaca quando já mocinha).
A menina ganhou a
vaca de presente do avô, que morava numa fazenda, onde o animal morava e
deveria continuar morando.
A menina estava
fazendo sete anos. A bezerra tinha sete meses, o que significa mais ou menos a
mesma idade da menina.
Uma vaca vive
entre 10 e 12 anos. Até um ano de idade, ela é uma menina-bezerra. Entre os
dois e os quatro anos é novilha-mocinha. Depois, adulta-vaca, até ficar mais
velha e continuar vaca até o fim dos seus dias.
Não foi difícil
para a menina entender, porque ela era uma menina; sua mãe, uma adulta; e velho
já estava o seu avô.
– Velho, não!
Apenas gasto – dizia o avô.
E todos riam.
E a vaca mugia.
E a vida era de
uma simplicidade só.
A princípio, a
menina só visitava a fazenda do avô nas férias de fim ou de meio de ano. Mas aí
começou a querer visitar o avô todo final de semana, para brincar com o seu
presente.
Brincar com uma vaca?
Maneira de dizer.
Mas acreditem:
brincava mesmo.
Para ela, a vaca era montaria.
Era companhia.
Para andar nos
campos.
Para a correria.
Na Índia, a vaca é
animal sagrado. Mas disto a menina não sabia. Nem queria saber.
A menina levava a
vaca à porta da casa, para que ela
conhecesse bem toda a sua família.
A vaca levava a
menina aos pastos, onde estavam os seus pais, irmãos, primos, os parentes
todos, todo mundo pastando e mugindo. E, claro, fazendo muito cocô no capim.
A menina tinha
fotos da vaca na cortiça do quarto, entre as lembranças dos parentes e amigos.
Desenhou um
retrato da vaca na mochila.
E falava sobre a
vaca para todos os amigos e colegas de escola.
Na fazenda, não
era diferente. Quando a menina ficava muitos dias sem aparecer, a vaca dava
plantão na porta, esperando. Os olhos de vaca, espichados e compridos na
direção da estrada.
– Ela sente
saudades – dizia o avô.
E quando a menina
chegava, os três sempre saíam a passear juntos: a menina, a vaca e o avô.
Um dia o grupo
deixou de ser um trio. Velhinho, o avô partiu.
Mas a dupla
continuou unida.
No eito, no estio,
na beira do rio.
Do rio que passava
bem ao lado do pasto, silencioso, observador.
Que observou a
menina crescendo. A bezerra, a novilha, a vaca envelhecendo.
E que banhou os
olhos da menina, agora moça, durante o mergulho mais demorado, no dia em que
ela percebeu que a felicidade não dura para sempre (a dor também não): a vaca
partiu ao encontro do avô.
Agora os dois
estão guardados bem próximos um do outro, num pedaço de terra que se espalha
entre o pasto e o rio.
E ali a menina
coloca flores, em todas as férias, e diz que é o altar sagrado que um dia será
mostrado aos filhos dela.