sexta-feira, 6 de setembro de 2019

O gato, o rato e o pacto de paz
(Conto infantojuvenil)


Gatão era um gato graúdo,
forte, feroz e peludo.

Ratinho era um rato miudinho,
de pernas curtas e olhos apertadinhos.

Só que o Gatão, muito sisudo,
não gostava de bicho miúdo.

Ratinho detestava confusão
e morria de medo de Gatão.

Botava o focinho pra fora do buraco apertado
e lá estava o perigo, olhando-o enviesado.

Com aquele jeitão esganado
de se eu te pego, tu tá ferrado.

Ratinho era um bicho de paz,
só queria viver bem, nada mais.

Mas Gatão não pensava assim,
embora também não fosse ruim.

A perseguição não era por maldade ou safadeza,
apenas ação e reação da própria natureza.

Até o dia em que Ratinho tomou uma decisão:
“Vamos resolver logo essa situação”!

Gatão achou a frase um abuso,
mas a firmeza do outro o deixou confuso.

“O que você está dizendo, rato insolente?
Desafiando-me, frente a frente”?

“De jeito algum”, disse Ratinho, em bom português.
“Quero é acabar com essa história de uma vez”.

“Você não gosta de mim, nem precisa gostar.
Mas podia ao menos me respeitar”.

Gatão abriu um sorriso,
que mostrou até o dente siso:

“Respeitar você, roedor,
um rato sem nenhum valor”?

“Não seja racista, não venha com falcatrua!
Minha raça é a minha força, a sua raça é a sua”!

“Não adianta querer falar bonito...
Num rato soa até esquisito”.

“Cai na real, Gatão!
Tira o preconceito do seu coração”.

E disse mais, Ratinho, exaltado,
pois naquele dia estava muito inspirado:

“O ódio é o pior sentimento da terra.
A intolerância é mãe de todas as guerras”.

Por incrível que pareça, a frase mexeu com o gato,
que se impressionou com a firmeza do rato.

“Sempre dá pra conviver”, disse Ratinho.
“Basta cada um seguir o seu caminho”.

“Pare pra pensar: que mal eu lhe fiz”?
“Não lembro”, respondeu Gatão, coçando o nariz.

Sentindo que ganhava espaço,
Ratinho foi soltando o laço:

“O mundo está cheio de seres se estranhando.
Quando acaba a briga, nem sabe por que estão brigando”.

“Violência, maldades, até mortes se dão,
quando se põe a arrogância um passo à frente da razão”.

“Você quer provar o quê? Que é mais forte do que eu?
Nem precisa mostrar. O mundo já percebeu”.

Gatão já estava nervoso, coçando os fios do bigode:
“Rato filósofo? Como é que pode”?

E prosseguiu, na prosa desconfiada:
“Onde você quer chegar, com essa conversa manjada”?

Ratinho, que já estava embalado,
não perdeu o rebolado:

“Não é nada demais:
apenas propor um pacto de paz”.

“Que assunto é esse, rato ousado?”,
perguntou o gato, de pelo eriçado.

“Não seja ignorante, Gatão.
É apenas um tratado de não-agressão”.

“Está brincando comigo, insignificante ratinho?
Acha que agora vou virar seu amiguinho”?

“Não, Gatão. Nem tapa nem beijo!
Eu não provo do seu leite; você não trisca no meu queijo”.

“E o que ganho com isto?”, perguntou o gato, interessado.
Ratinho se adiantou: “Vai viver menos estressado”!

“Esqueça que tem inimigo,
afaste da vida esse castigo”.

“Vai acordar com mais alegria,
ao lembrar que não cometeu qualquer covardia”.

“Seus olhos vão brilhar mais, seu pelo vai crescer,
e o amor nesse coração felino ainda vai renascer”.

Gatão ficou calado, pensando, pensado:
“Tem certeza de que não está me enrolando”?

Ratinho, então, insistiu,
convincente como nunca se viu:

“Se vai dar certo, Gatão, não posso afirmar.
Mas vamos, ao menos, experimentar”.

“Tá bem”, disse o gato. “Também não posso prever.
Mas prometo, ao menos, pagar pra ver”.

E essa foto vai ficar para a posteridade:
os dois apertando as patas, em sinal de amizade.

Será que vai dar certo? Vai imperar a união?
Não sabemos, decerto. Mas valeu a intenção.



Fim


(Editora Cortez, 2019)