(Conto infantojuvenil)
Gatão
era um gato graúdo,
forte,
feroz e peludo.
Ratinho
era um rato miudinho,
de
pernas curtas e olhos apertadinhos.
Só
que o Gatão, muito sisudo,
não
gostava de bicho miúdo.
Ratinho
detestava confusão
e
morria de medo de Gatão.
Botava
o focinho pra fora do buraco apertado
e
lá estava o perigo, olhando-o enviesado.
Com
aquele jeitão esganado
de
se eu te pego, tu tá ferrado.
Ratinho
era um bicho de paz,
só
queria viver bem, nada mais.
Mas
Gatão não pensava assim,
embora
também não fosse ruim.
A
perseguição não era por maldade ou safadeza,
apenas
ação e reação da própria natureza.
Até
o dia em que Ratinho tomou uma decisão:
“Vamos
resolver logo essa situação”!
Gatão
achou a frase um abuso,
mas
a firmeza do outro o deixou confuso.
“O
que você está dizendo, rato insolente?
Desafiando-me,
frente a frente”?
“De
jeito algum”, disse Ratinho, em bom português.
“Quero
é acabar com essa história de uma vez”.
“Você
não gosta de mim, nem precisa gostar.
Mas
podia ao menos me respeitar”.
Gatão
abriu um sorriso,
que
mostrou até o dente siso:
“Respeitar
você, roedor,
um
rato sem nenhum valor”?
“Não
seja racista, não venha com falcatrua!
Minha
raça é a minha força, a sua raça é a sua”!
“Não
adianta querer falar bonito...
Num
rato soa até esquisito”.
“Cai
na real, Gatão!
Tira
o preconceito do seu coração”.
E
disse mais, Ratinho, exaltado,
pois
naquele dia estava muito inspirado:
“O
ódio é o pior sentimento da terra.
A
intolerância é mãe de todas as guerras”.
Por
incrível que pareça, a frase mexeu com o gato,
que
se impressionou com a firmeza do rato.
“Sempre
dá pra conviver”, disse Ratinho.
“Basta
cada um seguir o seu caminho”.
“Pare
pra pensar: que mal eu lhe fiz”?
“Não
lembro”, respondeu Gatão, coçando o nariz.
Sentindo
que ganhava espaço,
Ratinho
foi soltando o laço:
“O
mundo está cheio de seres se estranhando.
Quando
acaba a briga, nem sabe por que estão brigando”.
“Violência,
maldades, até mortes se dão,
quando
se põe a arrogância um passo à frente da razão”.
“Você
quer provar o quê? Que é mais forte do que eu?
Nem
precisa mostrar. O mundo já percebeu”.
Gatão
já estava nervoso, coçando os fios do bigode:
“Rato
filósofo? Como é que pode”?
E
prosseguiu, na prosa desconfiada:
“Onde
você quer chegar, com essa conversa manjada”?
Ratinho,
que já estava embalado,
não
perdeu o rebolado:
“Não
é nada demais:
apenas
propor um pacto de paz”.
“Que
assunto é esse, rato ousado?”,
perguntou
o gato, de pelo eriçado.
“Não
seja ignorante, Gatão.
É
apenas um tratado de não-agressão”.
“Está
brincando comigo, insignificante ratinho?
Acha
que agora vou virar seu amiguinho”?
“Não,
Gatão. Nem tapa nem beijo!
Eu
não provo do seu leite; você não trisca no meu queijo”.
“E
o que ganho com isto?”, perguntou o gato, interessado.
Ratinho
se adiantou: “Vai viver menos estressado”!
“Esqueça
que tem inimigo,
afaste
da vida esse castigo”.
“Vai
acordar com mais alegria,
ao
lembrar que não cometeu qualquer covardia”.
“Seus
olhos vão brilhar mais, seu pelo vai crescer,
e
o amor nesse coração felino ainda vai renascer”.
Gatão
ficou calado, pensando, pensado:
“Tem
certeza de que não está me enrolando”?
Ratinho,
então, insistiu,
convincente
como nunca se viu:
“Se
vai dar certo, Gatão, não posso afirmar.
Mas
vamos, ao menos, experimentar”.
“Tá
bem”, disse o gato. “Também não posso prever.
Mas
prometo, ao menos, pagar pra ver”.
E
essa foto vai ficar para a posteridade:
os
dois apertando as patas, em sinal de amizade.
Será
que vai dar certo? Vai imperar a união?
Não
sabemos, decerto. Mas valeu a intenção.
Fim
(Editora Cortez, 2019)