Um cometa cravado em tua coxa
– Astro de luminosidade fraca – eu disse,
repetindo o mestre Aurélio. E passei o dedo lentamente sobre a tatuagem.
– Pára – ela gemeu baixinho.
– Dói?
– Claro que não, seu bobo.
Com o pé tentou fechar o dicionário que
estava no meu colo. A unha do dedão roçando em minha barriga. Mudei de posição
e continuei a leitura do verbete:
– Formado por um grupo de pequenas
partículas sólidas, com envoltório gasoso...
– Que horror. Envoltório gasoso é
horrível.
– ... e que gira em torno do sol
em órbitas elípticas muito alongadas, nalguns casos aparentemente hiperbólicas.
Esfregou o peito no meu ombro e arrancou o
livro de minhas mãos:
– Não é só isso. Diz também que é pessoa
que aparece e desaparece rapidamente. Assim que nem eu.
– Que nem você, que chega quando menos se
espera e some quando mais se precisa. Que escurece a
visão e ilumina os lençóis. Essa maldade nos lábios, esse cometa na coxa. Essa
lua e esse conhaque deixam a gente falando besteira como o diabo.
– Que lindo.
– A última frase é um verso do Drummond.
Arreganhou as coxas diante de mim. O cometa
me encarando, desafiador. O sorriso mais bonito e mais sacana deste mundo:
– Olha.
– O que é isto?
– O mundo, o mundo e o vasto mundo. Viu
que também conheço Drummond?
– Realmente é lindo o seu cometa. Mas por
que aí, bem na virilha?
– Para ficar mais pertinho do céu.
– Posso dar um beijo nele?
– No cometa? Você é maluco, vai queimar os
lábios.
– Deixa.
Um cometa cravado em tua coxa
– Astro de luminosidade fraca – eu disse,
repetindo o mestre Aurélio. E passei o dedo lentamente sobre a tatuagem.
– Pára – ela gemeu baixinho.
– Dói?
– Claro que não, seu bobo.
Com o pé tentou fechar o dicionário que
estava no meu colo. A unha do dedão roçando em minha barriga. Mudei de posição
e continuei a leitura do verbete:
– Formado por um grupo de pequenas
partículas sólidas, com envoltório gasoso...
– Que horror. Envoltório gasoso é
horrível.
– ... e que gira em torno do sol
em órbitas elípticas muito alongadas, nalguns casos aparentemente hiperbólicas.
Esfregou o peito no meu ombro e arrancou o
livro de minhas mãos:
– Não é só isso. Diz também que é pessoa
que aparece e desaparece rapidamente. Assim que nem eu.
– Que nem você, que chega quando menos se
espera e some quando mais se precisa. Que escurece a
visão e ilumina os lençóis. Essa maldade nos lábios, esse cometa na coxa. Essa
lua e esse conhaque deixam a gente falando besteira como o diabo.
– Que lindo.
– A última frase é um verso do Drummond.
Arreganhou as coxas diante de mim. O cometa
me encarando, desafiador. O sorriso mais bonito e mais sacana deste mundo:
– Olha.
– O que é isto?
– O mundo, o mundo e o vasto mundo. Viu
que também conheço Drummond?
– Realmente é lindo o seu cometa. Mas por
que aí, bem na virilha?
– Para ficar mais pertinho do céu.
– Posso dar um beijo nele?
– No cometa? Você é maluco, vai queimar os
lábios.
– Deixa.
– Nem
pensar.
A última resposta dada enquanto se vestia,
às pressas. Sufocando o astro de luminosidade fraca dentro da calça jeans.
– Você volta?
– Um dia. São assim os cometas, não são?
(Do livro "Um cometa cravado em tua coxa", Editora Record, 2003)