Mãos dadas
Eu tinha verdadeira adoração por ela. Um
dia perguntou se eu não sentia vergonha pelo fato de ela ser puta. Eu disse
você é feliz assim e isto me faz feliz, ou uma besteira dessas. Na verdade, não
me incomodava nem um pouco, estava mesmo era me lixando pros seus draminhas.
Ela fingiu acreditar e abriu o quebra-vento, depois balançou o cabelo prum lado
e pro outro, como gostava de fazer quando saíamos de carro.
– Mas você tem vergonha de sair de mãos dadas comigo
– ela disse.
– Claro que não – respondi.
– Então por que não passeia de mãos dadas comigo por
aí?
Comcei a ficar puto com aquele papo,
sempre fico puto com esses papos, mas procurei não demonstrar:
– Sabe o que é? Acho a maior besteira andar por aí
de mãos dadas ou de
braços
dados. Não ando assim com ninguém, acho que nem sei andar desse jeito, não
acerto o passo.
– Nem com a sua mulher você andava?
– Não.
Eu disse que tinha verdadeira adoração por
ela, mas que detestava aquela conversa. Sempre gostei muito de putas, mas
detesto conversa de putas. Ou bebem demais e ficam escrachadas, abrindo as
pernas fora de hora e dizendo palavrão, ou ficam com essa mania de mulherzinha,
querendo andar de mãos dadas e de braços dados, fazer compras com a gente no
shopping.
Ela pegou uma escova enorme na bolsa e
começou a ajeitar os cabelos, desarrumados pelo vento. Tinha cabelos bonitos,
putas geralmente têm cabelos bonitos porque cuidam bem deles. Depois pegou o
batom e começou a avermelhar os lábios.
– E à missa? Você iria à missa comigo? – perguntou.
– Claro que iria.
– Mentiroso.
– Não me chama de mentiroso. Vou à missa com você
qualquer dia desses,
você
pode até apostar.
– Qualquer dia desses, não. Vamos hoje – e tentou me
beijar daquele jeito
que
parecia beijo de cachorro, a língua para cima e para baixo, uma luva úmida no
meu pescoço.
– Pára.
– Tá vendo? Além de vergonha, tem nojo de mim.
Eu disse que não tinha nojo coisa nenhuma.
Ela insistiu que eu tinha nojo dela, por isso não gostava de beijo na boca nem
de lambida no pescoço.
– Já disse que não tenho nojo de você, porra! –
rosnei, batendo com a mão
espalmada
no painel do carro.
Ela se assustou, me olhou até com medo,
mas mesmo assim voltou ao lengalenga. Puta é foda mesmo:
– Então passeia de mãos dadas, me leva à missa, ao
cinema, ao restaurante,
me
dá um beijo de novela.
– Não vejo novela.
– Então me dá um beijo de cinema.
Eu disse não enche o saco e ela berrou não fala
assim comigo, seu cavalo.
Perdi
de vez paciência, meti o cotovelo nos peitos dela e gritei cala a boca agora,
sua puta escrota. Ela disse cala a boca é o cacete e blasfemou que puta era
minha mãe. Porra, logo minha mãe, a vaca não sabia mesmo com quem estava se
metendo. Se tem uma coisa que não admito é que falem de minha mãe, desde
pequeno, quando quebrei a cara de um colega de escola. O merdinha falou que
minha mãe ficava na zona enquanto eu dormia.
Segurei o volante do carro com uma mão e
com a outra dei uma bofetada certeira. Ela chorou, xingou e gritou olha para a
frente, seu débil mental. E quando olhei para a frente já estava enfiando o
carro em cima do poste.
Não foi por querer que direcionei para o
poste o lado do carona. Não foi por cafajestada que salvei a minha pele e
acabei com a vida da única mulher que talvez tenha amado na vida. Eu tinha,
mesmo, verdadeira adoração por ela. Juro que se ainda desse tempo eu iria de
mãos dadas com ela até para o inferno.
(Do livro "Grande homem mais ou menos", Editora Bertrand Brasil, 2007)