segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

As roupas do papai foram embora
– O papai foi embora desta casa. Não vai mais morar com a gente.
– Não é verdade, sua boba. O papai foi viajar. Depois ele volta.
– Não, irmãozinho. Eu sei o que estou falando. Ele não foi viajar coisa nenhuma.
– Foi. E depois volta.
– Teimoso. O papai foi embora, brigou com a mamãe.
– Você não conhece o meu pai.
– Não esqueça que sou mais velho do que você. Conheço melhor o papai.
– Não conhece.
– A mamãe me contou tudo. Eles agora vão viver separados. Cada um no seu canto.
– A mamãe não conhece o meu pai. Ele volta logo.
– Volta só para se despedir da gente. Depois vai de vez.
– Ele fica comigo.
– Você é muito teimoso mesmo. Ele já levou até as roupas.
– Todas as roupas dele?
– Todas. Para outra casa. E vão ficar lá, noutro guarda-roupa.
– Então vamos combinar uma coisa.
– O quê?

– Só as roupas foram embora. O meu pai não.
(Do livro "As roupas do papai foram embora". Editora Lê, 2010)


sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Garrincha

        Quando o juiz apitou, encerrando a partida no campinho de subúrbio, aconteceu o grande espetáculo.
     Um pequeno passarinho muito conhecido naquele lugar, chamado garrincha, pousou sobre a bola de couro esquecida no campo de batalha. Meio pardo e de asas e cauda listradas de preto, também conhecido como garriça ou cambaxirra, o pássaro que tem nome de craque deu alguns pulinhos desajeitados sobre a pelota e bateu asas.
     Nesse instante, como se tivesse sido chutada violentamente por um jogador invisível, a bola também bateu asas e subiu. Um lançamento perfeito na direção do céu. Os vinte e dois jogadores titulares, mais os reservas, técnicos, dirigentes e todos os torcedores ficaram parados no estádio. Os olhos voltados para o vôo maluco da bola, que voou até sumir.
     E como o dia já estava mesmo começando a virar noitinha, a lua apareceu de repente e engoliu a redonda – como a chamam os locutores esportivos. A bola virou lua, lua cheia, bem cheia e muito brilhante. O campo ficou tão iluminado que os atletas sentiram vontade de começar outro jogo, e só não o fizeram porque o cansaço da peleja disputadíssima não permitiu.
     O menino quis saber se a bola seria recuperada e o pai disse que não.
     – Está bem lá em cima, limpa, linda e cheia. Iluminando os grandes estádios, nas grandes cidades, ou os campinhos mais escondidos nos fins de mundo.
(Do livro "O homão e o menininho", Editora Abacate, 2013)