segunda-feira, 24 de setembro de 2018


Garras

      A senhoria tinha garras afiadas, sempre pintadas de um vermelho sangue, da mesma cor dos lábios que ela vivia mordendo e exibindo, fazendo beicinhos.
     O que matava era o cheiro de vodca barata.
     – Quero que você seja muito feliz aqui.
     É possível ser feliz dentro de um quarto minúsculo no Catumbi? Engoli em seco:
     – Não tenho do que me queixar.
     Estava quase na hora em que o amante da senhoria costumava chegar. Era enorme. Dava dois de mim.
     – Você tem uns olhos lindos – ela gemeu.
     Ele empurrava a porta sempre a essa hora, com cara de poucos amigos. Às vezes dizia uns palavrões. Às vezes cobria a infeliz de pancada.
     – Gosto muito desse seu sorrisinho safado – ela insistiu.
     O amante era cabo ou soldado da polícia, encostado por
invalidez: perturbações mentais.
     Tem hora que parece que Deus abandonou a gente.
– Não precisa ficar nervoso, seu bobo – a mão melosa em minha perna trêmula.
     – Seu marido deve estar chegando a qualquer momento.
     – Não é meu marido. E hoje ele chega mais tarde.
     As garras no meu queixo, tentando me beijar à força. O cheiro e o gosto de vodca me deixavam tonto. A língua no meu pescoço, o joelho esfregando no meu colo.
     – Essa coisa não fica dura?
     Fechou as janelinhas do cubículo e arrancou as roupas às pressas. Muito feia, coitada.
     Me fechei, as mãos protegendo as partes ameaçadas. Fez pose de zangadinha:
     – Não me quer?
     – Não é bem isso.
     A chave na porta, graças a Deus. O amante chegando do bar, se arrastando pesado. A infiel correndo para o seu quarto, catando roupas íntimas pelo chão. Tranquei a porta por dentro e respirei fundo. Só consegui ouvir o grito, cadela, e o som do que deve ter sido um soco. Ou um chute no armário.
     Tomara que não tenha matado a pobrezinha.
(Do livro "Um cometa cravado em tua coxa", Editora Record, 2003)




Nenhum comentário:

Postar um comentário