A música das
ondas
(Prelúdio)
Dispensou a cadeira de rodas e atravessou o portão do hospital cambaleando. O rapaz da portaria perguntou se alguém o esperava, se desejava um táxi.
Agradeceu e disse que desejava o mar. E o mar estava logo ali, do outro
lado da praça.
O
trajeto de pouco mais de um quilômetro demorou quase uma hora. Mas chegou até
lá. Sentou-se na proteção de cimento entre o calçadão e a areia e se livrou das
sandálias. Começou a movimentar os pés, com dificuldade; as pernas, depois de
tanto tempo entrevadas, não obedeciam.
O sol da
manhã trazia um cheiro distante. Reconheceu como cheiro de vida.
Arreganhou
as narinas para puxar o ar, que chegava arranhando. Abriu a boca, querendo
engolir a maresia. O barulho dos carros, o burburinho dos passantes e os gritos
dos vendedores de biscoitos, salgados e bebidas eram neutralizados pela música
das ondas.
Meu Deus, a
música.
As ondas.
O rapaz do
quiosque o cumprimentou. Os meninos que jogavam o altinho acenaram. A menina
que passou com a cadeira de praia debaixo do braço sorriu para ele e foi em
busca do mergulho.
Acompanhou,
emocionado, os passos compassados da menina. Há quanto tempo não via uma bunda
liberta de aventais?
O amigo dos
tempos de futevôlei se abancou ao lado e respeitou o silêncio. Só abriu a boca
para dizer que estava feliz com o seu retorno, depois da longa ausência.
Apenas
sorriu e tentou se levantar, mas faltou equilíbrio.
O amigo o
ajudou.
– Vamos
dançar – ele disse.
– Sem
música? – o outro perguntou.
– Tem
música. Escute.
O garoto
freou a bicicleta, olhou, não se conteve:
– Show!
E voltou a
pedalar.