quarta-feira, 24 de julho de 2024

 

A música das ondas

(Prelúdio)

 

     Dispensou a cadeira de rodas e atravessou o portão do hospital cambaleando. O rapaz da portaria perguntou se alguém o esperava, se desejava um táxi.

     Agradeceu e disse que desejava o mar. E o mar estava logo ali, do outro lado da praça.
     O trajeto de pouco mais de um quilômetro demorou quase uma hora. Mas chegou até lá. Sentou-se na proteção de cimento entre o calçadão e a areia e se livrou das sandálias. Começou a movimentar os pés, com dificuldade; as pernas, depois de tanto tempo entrevadas, não obedeciam.

     O sol da manhã trazia um cheiro distante. Reconheceu como cheiro de vida.  

     Arreganhou as narinas para puxar o ar, que chegava arranhando. Abriu a boca, querendo engolir a maresia. O barulho dos carros, o burburinho dos passantes e os gritos dos vendedores de biscoitos, salgados e bebidas eram neutralizados pela música das ondas.

     Meu Deus, a música.

     As ondas.

     O rapaz do quiosque o cumprimentou. Os meninos que jogavam o altinho acenaram. A menina que passou com a cadeira de praia debaixo do braço sorriu para ele e foi em busca do mergulho.

     Acompanhou, emocionado, os passos compassados da menina. Há quanto tempo não via uma bunda liberta de aventais?

     O amigo dos tempos de futevôlei se abancou ao lado e respeitou o silêncio. Só abriu a boca para dizer que estava feliz com o seu retorno, depois da longa ausência.

     Apenas sorriu e tentou se levantar, mas faltou equilíbrio.

     O amigo o ajudou.

     – Vamos dançar – ele disse.

     – Sem música? – o outro perguntou.

     – Tem música. Escute.

     O garoto freou a bicicleta, olhou, não se conteve:

     – Show!

     E voltou a pedalar.




Nenhum comentário:

Postar um comentário