O homem bom e o vestido de flores
“Ela
jamais saberá, mas eu gostaria muito de conhecer o primo Lourival. Gosto de
pessoas assim, que não servem para nada. Também gosto de pessoas que só falam
em dinheiro, sobretudo quando não têm dinheiro nenhum. E gosto, sobretudo,
dessas pessoas que as outras consideram verdadeiras bestas.”
– Coitado
do Lourival.
– Coitado
nada.
– Tá certa.
Não chega aos pés do Toni.
– Também não posso dizer que o Toni tenha
representado grande coisa. Não me deu nada, mas pelo
menos tirou o que tinha se prontificado a tirar.
– Alguém
tem que fazer o trabalho sujo.
– Eu já
tinha quase dezoito anos. Passava da hora.
– Parabéns,
Toni.
“Eu tinha
quase dezoito anos quando fui para a cama com uma mulher. Uma prostituta, como
não poderia deixar de ser. Criado em roça, meio do mato, a iniciação se deu
mesmo foi com cabras, porcas, novilhas, éguas, cadelas e companhia. Só mais
tarde, na cidade, conheci fêmeas de duas pernas, dois braços e dois peitos. Não
conseguia me entender com namoradas, sempre difíceis e certinhas. Tinha que ser
mesmo com mulheres de vida torta e nenhuma complicação existencial. Dizia
apenas conta aí a bela história e não se preocupa comigo, baby. Elas obedeciam,
sem remorsos.”
– Aí veio o
Jonas.
– Grande
Jonas.
– O grande
amor de minha vida. Dessa história você vai gostar.
“Gosto das
histórias delas. De todas as histórias de todas elas. Quanto mais absurdas,
mais eu gosto. Às vezes me dão vontade de rir, mas em geral me dão muito
prazer.”
– Como era
o Jonas?
– Forte,
inteligente, extremamente sensual e educado. Gostava de fazer amor na sala, no
velho sofá, enquanto mamãe ouvia rádio e passava roupas na cozinha. Dizia que o
excitava, tinha cada ideia de maluco. A qualquer movimento suspeito na cozinha
acelerava o ritmo. E como eu gostava.
– Também
estou gostando.
– Me mordia toda. Jonas tinha coxas grossas
e braços firmes. Mexia com contrabando e um dia evaporou, sumiu do mapa,
desapareceu no mundo.
“Lurdes.
Era esse o nome dela. Tinha peitos caídos e um sorriso horroroso, forrado de
dentes de ouro. Exagerava na pintura e parecia mais uma caricatura malfeita.
Cobrava menos do que as outras e tinha histórias interessantíssimas, além de
não me considerar um alucinado. Foi compreensiva quando eu disse que gostaria
de fazer amor ouvindo histórias malucas. Aceitou de pronto, sem cobrar um
tostão a mais. Tentamos muitas vezes até eu ter certeza de que gostaria de
fazer sozinho, ouvindo mentiras cabeludas.”
– Fale
mais.
– Do sumiço
do Jonas?
– Da cama,
do sofá, mordendo você todinha.
– Você não
presta.
“Eu não
presto, nem te amo, não sei nem quero saber o teu nome. Não quero saber dos
teus problemas, só das tuas mentiras.”
– Repete
tudo. O que ele fazia com você no velho sofá, enquanto a mamãe passava roupas?
– Me
beijava dos pés à cabeça. Fazia tudo o que queria comigo.
– Grande
Jonas. Fazia tudo, tudinho?
– As coisas
que me envergonhavam fazíamos de luz apagada. Chega, não gosto nem de lembrar.
– Esquece.
– Aí
conheci o Rodolfo.
– Também
contrabandista?
– Não.
Motorista de ônibus.
– Rodolfo é um bonito nome.
– De
artista. A mãe era apaixonada por um tal de Rodolfo Valentino, do cinema. Só
que não se parecia nada com o outro. O meu Rodolfo era magro, desdentado e
tossia até não se agüentar, principalmente naquela hora.
– Que
horror.
– Fica
quietinho, senão desconcentra.
“A vida é
assim, feita de pequenas crueldades.”
– Gostava
dele?
– Não.
Usava como remédio barato, só para tentar esquecer o Jonas. Ia para a cama com
ele pensando no Jonas, enquanto ouvia coisas. Sempre desatenta.
– Que
coisas?
– Coisas,
ora. Coisas que se dizem na cama.
“A vida
também é feita de pequenas coisas. Coisas sem sentido, coisas importantes,
coisas e coisas. Coisas que se dizem na cama, que se cochicham em enterros,
outras que só em comemorações de aniversários. Coisas que só se dizem aos
grandes amigos e coisas que não se diz nem aos piores inimigos.”
– E você, o
que dizia para ele?
– Coisas
também. Bobagens. E cravava as unhas nas costas cheias de espinhas do pobre.
Acabou?
– Não. Mas
não demora.
– Então vou
falar do Júlio.
– O que
tinha o Júlio?
– Um olho
cego e uma mancha enorme do lado direito
do peito.
– Também
gostava no sofá?
– Não. De
pé, encostado na parede. Ele era muito alto eeu tinha que ficar na ponta dos
pés. Mas era bom.
– Sei.
– Era muito
bom.
“Não
duvido. Todos eles são muito bons para elas e também para mim. Também não tenho
queixas das mulheres com as quais sonhei. Todas são boas e não têm culpa de
nada.”
– Viu onde
coloquei minhas chaves?
– Em cima
da mesinha de cabeceira. Nem falei do Alfredo, o que era da polícia.
– Da
próxima vez começaremos por ele.
– Você
promete?
– Claro.
Temos que começar por alguém.
– Jura que
gostou?
– Eu gosto
sempre. Tome.
– Pode
deixar aí.
– Está em
cima da cômoda. Tem um pouco mais, para o vestido de flores.
– Não
acredito. Enfim, o vestido de flores. Que homem bom, meu Deus.
“Olho para
ela e penso: ainda existem pessoas boas neste mundo.”
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