quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Puta conto

 

        – Você pretendia ser escritora e virou prostituta. Poderia ser uma puta escritora.

     – Já está gravando?

     – Está.

     – O que você pretende com essa entrevista comigo?

     – Quem faz as perguntas aqui sou eu. Eu sou o entrevistador. Você, a entrevistada.

     – Combinado. Você está pagando.

     – Como é o seu nome?

     – Shirley. Alexandra. Simone.

     – E na Carteira de Identidade?

     – Maria das Graças Ribeiro da Cunha. Filha de Maria Auxiliadora Ribeiro e de Salvador Amorim da Cunha. Sou sergipana, de Itabaiana. Tenho vinte e um anos.

     – E na Carteira de Identidade?

     – Trinta e dois.

     – Filhos?

     – Lindos. Um casal. Anderson e Michele. Estão lá, com minha mãe.

     – Bonitos nomes. De onde você os tirou?

     – De uma revista de nomes. Tinha nomes de todo tipo: de americano, de alemão, de francês, todos Jean, Pierre ou Jean-Pierre. Até nome de chinês, Ching, Ling, Ling-Ching. Para que você quer essas informações?

     – Vou escrever um conto.

     – Como vai se chamar.

     – A puta.

     – Interessante.

     – O que aconteceu que empurrou você para essa vida?

     – Que vida?

     – De puta, ora essa.

     – Não aconteceu nada. Um dia resolvi abraçar a profissão de prostituta. Todo mundo precisa ter uma profissão, não é verdade?

     – Você não foi violentada e abandonada, quando novinha?

     – Que nada. Minha primeira vez foi tarde. Eu já era bem crescidinha. Ninguém me violentou nem me abandonou. Dei por prazer e faço isto até hoje.

     – Você não foi expulsa de casa pelo seu pai? Não teve que cair nessa vida por absoluta falta de opção e aí comeu o pão que o diabo amassou?

     – Nada disso. Acho que não sou a personagem ideal para o seu conto. Opções não faltaram e optei pelo prazer.

     – Já apanhou?

     – Já. Mas não gostei. 

     – Qual o seu tipo de homem?

     – Todos. Sobretudo aqueles que pagam bem, são carinhosos, limpos e atenciosos. Que são clientes, mas também sabem ser amantes. Tenho uma queda especial por escritores. Afinal, quase me tornei uma escritora também. Há algo em comum entre as nossas profissões, sabia?

     – Ah, é? O quê?

     – Vocês também se vendem.

     – E quando você desistiu de ser escritora?

     – Não desisti. Apenas optei por viver. Mas vou escrever um conto.

     – Ótimo. E como vai se chamar?

     – O contista.

     – Que interessante.

     – Continue com suas perguntas. Vou precisar muito delas na hora de escrever a minha história.
 

    

 

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