sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Garras

 

     A senhoria tinha garras afiadas, sempre pintadas de um vermelho sangue, da mesma cor dos lábios que ela vivia mordendo e exibindo, fazendo beicinhos.

     O que matava era o cheiro de vodca barata.

     – Quero que você seja muito feliz aqui.

     É possível ser feliz dentro de um quarto minúsculo no Catumbi? Engoli em seco:

     – Não tenho do que me queixar.

     Estava quase na hora em que o amante da senhoria costumava chegar. Era enorme. Dava dois de mim.

     – Você tem uns olhos lindos – ela gemeu.

     Ele empurrava a porta sempre a essa hora, com cara de poucos amigos. Às vezes dizia uns palavrões. Às vezes cobria a infeliz de pancada.

     – Gosto muito desse seu sorrisinho safado – ela insistiu.

     O amante era cabo ou soldado da polícia, encostado por

invalidez: perturbações mentais.

     Tem hora que parece que Deus abandonou a gente.

– Não precisa ficar nervoso, seu bobo – a mão melosa em minha perna trêmula.

     – Seu marido deve estar chegando a qualquer momento.

     – Não é meu marido. E hoje ele chega mais tarde.

     As garras no meu queixo, tentando me beijar à força. O cheiro e o gosto de vodca me deixavam tonto. A língua no meu pescoço, o joelho esfregando no meu colo.

     – Essa coisa não fica dura?

     Fechou as janelinhas do cubículo e arrancou as roupas às pressas. Muito feia, coitada.

     Me fechei, as mãos protegendo as partes ameaçadas. Fez pose de zangadinha:

     – Não me quer?
 
(Do livro "Um cometa cravado em tua coxa". Editora Record, 2003)
 

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