A senhoria tinha garras afiadas, sempre
pintadas de um vermelho sangue, da mesma cor dos lábios que ela vivia mordendo
e exibindo, fazendo beicinhos.
O que matava era o cheiro de vodca barata.
– Quero que você seja muito feliz aqui.
É possível ser feliz dentro de um quarto
minúsculo no Catumbi? Engoli em seco:
– Não tenho do que me queixar.
Estava quase na hora em que o amante da
senhoria costumava chegar. Era enorme. Dava dois de mim.
– Você tem uns olhos lindos – ela gemeu.
Ele empurrava a porta sempre a essa hora,
com cara de poucos amigos. Às vezes dizia uns palavrões. Às vezes cobria a
infeliz de pancada.
– Gosto muito desse seu sorrisinho safado
– ela insistiu.
O amante era cabo ou soldado da polícia,
encostado por
invalidez:
perturbações mentais.
Tem hora que parece que Deus abandonou a
gente.
– Não
precisa ficar nervoso, seu bobo – a mão melosa em minha perna trêmula.
– Seu marido deve estar chegando a
qualquer momento.
– Não é meu marido. E hoje ele chega mais
tarde.
As garras no meu queixo, tentando me
beijar à força. O cheiro e o gosto de vodca me deixavam tonto. A língua no meu
pescoço, o joelho esfregando no meu colo.
– Essa coisa não fica dura?
Fechou as janelinhas do cubículo e
arrancou as roupas às pressas. Muito feia, coitada.
Me fechei, as mãos protegendo as partes
ameaçadas. Fez pose de zangadinha:
– Não me quer?
(Do livro "Um cometa cravado em tua coxa". Editora Record, 2003)
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