quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

 

Os caçadores e a caça (Um conto de Natal)

 

     Na volta da escola, caminhando às margens da belíssima lagoa que ilumina e transluz no crepúsculo, o menino vê o homem passar correndo.

     Apenas mais um personagem sozinho no palco, ensaiando o corre-corre da cidade?  

     Seria um atleta profissional, desses que rodam o mundo inteiro em intermináveis maratonas? Ou apenas um corredor de fim de semana, que meia hora depois está todo suado, enchendo a barriga de cerveja ou de água de coco?

     Os pensamentos do menino são atropelados pelo tropel de outros corredores, que vêm correndo atrás do homem.

     Esses parecem bem enfurecidos.

     Agora, o homem parece que foge. E apressa o passo, pois está visivelmente amedrontado.

     Dispara na frente. Não olha para trás. Nem para os lados. E já começa a demonstrar algum cansaço.

     Mantém a cabeça solta no espaço, os pés presos no chão.

     A multidão, enfurecida, grita "Pega ladrão”! Repete: “Pega ladrão”! Agita-se: “Pega ladrão”!

     O menino tenta diminuir o pavor que sente, imaginando que é um filme o que se passa. Um homem a correr sozinho. Muitos caçadores e apenas uma caça.

     Há tanta gente no caminho, cada um vivendo a cena única do seu próprio mundo. Ninguém se dá conta da mais que humana ameaça (quem se preocupa com os que estão ou com os que passam?).

     Quem vai se incomodar com um maluco a correr sem companhia? Com a multidão a gritar enlouquecida? Com uma tarde que, igual a tantas, simplesmente se esvai?

     Só o olho do menino parece ver: os pássaros que buscam o ninho. O sol a se esconder, devagarinho.

     O homem tropeça nas pedras do caminho e cai nas garras dos predadores de garras afiadas. Que prendem o seu pescoço com um laço. E o arrasta pelas ruas.

     Eis o fato consumado, a verdade nua e crua, quando alguém arranca de seu bolso o fruto do roubo roubado: um pedaço de pão bem amassado.

     Nos olhos do menino, dança o olhar do homem.

     Nos olhos da multidão, nunca se viu tanta euforia. É um pássaro? Um avião? Um atleta campeão? É o mais que disputado troféu, agora de braços e pernas abertos, espetado em cruzes imaginárias.

     O homem olha para o céu, desalentado.

     E se pergunta se fora mesmo abandonado.

     O corpo é carregado num desfile de gritos e de luzes.

     Ao fundo, no espelho da linda lagoa que reina indiferente no cenário, o menino vê a imensa árvore que começa a se iluminar.

     Cheia de bolas vermelhas, que parecem sangue.

     A cor da roupa vermelha do Papai Noel.

     E lembra-se que a tarde já é bem tarde, que daqui a pouco é noite. Que precisará estar em casa, com a família, em volta da mesa, comendo rabanada e recebendo presentes.

     Afinal de contas, é Natal.



 

 

 

 

 

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