Os caçadores e a caça (Um conto de Natal)
Na volta da
escola, caminhando às margens da belíssima lagoa que ilumina e transluz no
crepúsculo, o menino vê o homem passar correndo.
Apenas mais um
personagem sozinho no palco, ensaiando o corre-corre da cidade?
Seria um
atleta profissional, desses que rodam o mundo inteiro em intermináveis
maratonas? Ou apenas um corredor de fim de semana, que meia hora depois está todo
suado, enchendo a barriga de cerveja ou de água de coco?
Os pensamentos
do menino são atropelados pelo tropel de outros corredores, que vêm correndo atrás
do homem.
Esses parecem
bem enfurecidos.
Agora, o homem
parece que foge. E apressa o passo, pois está visivelmente amedrontado.
Dispara na
frente. Não olha para trás. Nem para os lados. E já começa a demonstrar algum
cansaço.
Mantém a
cabeça solta no espaço, os pés presos no chão.
A multidão, enfurecida,
grita "Pega ladrão”! Repete: “Pega ladrão”! Agita-se: “Pega ladrão”!
O menino tenta
diminuir o pavor que sente, imaginando que é um filme o que se passa. Um homem
a correr sozinho. Muitos caçadores e apenas uma caça.
Há tanta gente
no caminho, cada um vivendo a cena única do seu próprio mundo. Ninguém se dá
conta da mais que humana ameaça (quem se preocupa com os que estão ou com os
que passam?).
Quem vai se
incomodar com um maluco a correr sem companhia? Com a multidão a gritar
enlouquecida? Com uma tarde que, igual a tantas, simplesmente se esvai?
Só o olho do
menino parece ver: os pássaros que buscam o ninho. O sol a se esconder,
devagarinho.
O homem
tropeça nas pedras do caminho e cai nas garras dos predadores de garras
afiadas. Que prendem o seu pescoço com um laço. E o arrasta pelas ruas.
Eis o fato
consumado, a verdade nua e crua, quando alguém arranca de seu bolso o fruto do
roubo roubado: um pedaço de pão bem amassado.
Nos olhos do
menino, dança o olhar do homem.
Nos olhos da
multidão, nunca se viu tanta euforia. É um pássaro? Um avião? Um atleta
campeão? É o mais que disputado troféu, agora de braços e pernas abertos,
espetado em cruzes imaginárias.
O homem olha
para o céu, desalentado.
E se pergunta
se fora mesmo abandonado.
O corpo é
carregado num desfile de gritos e de luzes.
Ao fundo, no
espelho da linda lagoa que reina indiferente no cenário, o menino vê a imensa
árvore que começa a se iluminar.
Cheia de bolas
vermelhas, que parecem sangue.
A cor da roupa
vermelha do Papai Noel.
E lembra-se
que a tarde já é bem tarde, que daqui a pouco é noite. Que precisará estar em
casa, com a família, em volta da mesa, comendo rabanada e recebendo presentes.
Afinal de
contas, é Natal.
(Do livro "Ainda tem sol em Ipanema", Editora Faria e Silva, 2022)